Projeto

REGISTROS CARTOGRÁFICOS HISTÓRICOS: REVELANDO O PATRIMÔNIO TOPONÍMICO DE MINAS GERAIS DO PERÍODO COLONIAL E JOANINO

Os mapas históricos são fontes de dados que podem ser relevantes e proeminentes. Compreendendo-os como uma memória de dados, sua relevância, de modo geral, pode ser relacionada ao tema e ao assunto que se deseja conhecer, compreender ou explicar, como, também, à data de sua realização. Além disso, aspectos relevantes podem ser estabelecidos, em razão da atualidade, sempre em relação a uma época dada, e da fidedignidade, entre outras características que se tornam dados preciosos e, ou fundamentais para estudantes, professores, pesquisadores, planejadores, administradores e outros interessados.

A proeminência dos mapas, por sua vez, entendidos como fontes primárias e históricas de informação, muitas vezes, diz respeito à especificidade das mensagens que propiciam a comunicação de atributos espaciais de uma forma eficaz, como nenhum outro sistema de comunicação linguístico, ou não linguístico, é capaz de realizar. Esses atributos relacionam-se ao conhecimento da distribuição de fatos, fenômenos e eventos, dos padrões que podem formar, e de suas relações em um determinado espaço geográfico.

O projeto Registros Cartográficos Históricos: Revelando o Patrimônio Toponímico de Minas Gerais do Período Colonial e Joanino[i] explorou os aspectos referentes à relevância e à proeminência dos mapas, em todas as etapas da pesquisa, desde o levantamento dos documentos cartográficos estudados, a identificação dos topônimos históricos, a análise dos dados, até a comunicação dos resultados obtidos.


Os documentos cartográficos escolhidos para compor a amostra estudada, neste projeto, pertencem a acervos de museus, de arquivos e de bibliotecas situados no Brasil e em Portugal. Os mapas selecionados foram analisados para patentear o patrimônio toponímico de Minas Gerais, formado ao longo do Setecentos e do Oitocentos Joanino, e tratam, de um lado, de elementos do assentamento da população no território mineiro e de sua população autóctone e, de outro, de padrões motivadores do ato de nomeação, de camadas dialetais presentes na língua, e da permanência, ainda hoje, dos topônimos no território. Considerando-se esses aspectos linguísticos e geográficos, é importante informar que os estudos apoiaram-se em fundamentos teórico-metodológicos propostos por Dauzat (1926)[ii] e Dick (1990 a, b)[iii], e nas pesquisas realizadas por Seabra (2004; 2006; 2012)[iv], Seabra e Santos (2012)[v], Santos e Seabra (2011a, b; 2015)[vi]. Destacam-se, no caso dessas últimas citações, as que tiveram mapas históricos como objeto de estudo.

Os resultados alcançados foram expostos em produtos bibliográficos, a saber: um Atlas digital, dez marcadores de folhas e um folheto impressos em papel, destinados a diferentes segmentos de público. A organização desses produtos considerou o interesse por consultas e estudos autônomos, ou mediados por ações educativas a serem realizados em museus, centros de referências e de pesquisas, bibliotecas, escolas; enfim, em locais, e por pessoas interessadas na Língua portuguesa, na Geografia, na História e na Cartografia de Minas Gerais.

Salienta-se que a organização do Atlas Patrimônio Toponímico na Cartografia Histórica de Minas Gerais (SANTOS, SEABRA e COSTA, 2016)[vii], foi realizada para atender a dois quesitos. O primeiro diz respeito ao conceito de atlas, compreendido de forma mais ampla, consentaneamente a formulações mais atuais. Nesse sentido, o Atlas, além de abranger uma coletânea de mapas, reúne também outras mensagens gráficas, como diagramas e figuras, além de textos, para ampliar a comunicação com os usuários.

O segundo quesito trata das possibilidades de leitura desse produto bibliográfico que estruturam, tanto o seu texto, como a sua navegação, para permitir comunicações com dois níveis de generalização. O primeiro nível, o mais alto, corresponde a sínteses destinadas aos visitantes das instituições, que terão o Atlas disponibilizado para consultas rápidas, em totens, ou em outro tipo de equipamento informático. O segundo de menor nível de generalização, é endereçado àqueles usuários do Atlas que podem dedicar mais tempo à leitura do material, utilizando-se de computadores de mesa (desktop), ou portáteis (notebooks e handhelds)[viii].

Entretanto, reitera-se que um e outro usuário terão acesso a informações de sínteses e, sempre se informarão, de acordo com Santos e Seabra (2015)[ix], sobre o léxico mineiro do Setecentos e do Oitocentos, e sobre o legado que se tornou patrimônio linguístico do atual estado de Minas Gerais, de modo a conhecer tendências gerais expostas, diacrônica e diatopicamente e, ainda, exemplos notáveis de ratificação ou de exceções daquelas.

O material impresso – dez marcadores de folhas e um folheto – foi idealizado como material complementar do Atlas, mas pode ser usado separadamente, seja como objetos de consultas de estudos autônomos, seja para apoiar ações educativas sobre a toponímia de Minas Gerais.

Em cada um dos marcadores de folhas podem ser encontrados um ou dois verbetes sobre um total de dezoito topônimos, exemplares de alguns aspectos da história política, administrativa e econômica do território mineiro e de fatos linguísticos. Os verbetes informam o histórico da formação do lugar, sua origem, seus significados, a situação geográfica coeva e atual, entre outras.

Os nomes geográficos em questão são “Marianna”[x] (Mariana),  única povoação da Capitania instituída como cidade, nos períodos estudados; “Villa Rica” (Ouro Preto); “São João d´ElRey” (S. João D’el-Rey);  “São S. Joze” (Tiradentes); “Tamanduá” (Itapecerica); “Queluz” (Conselheiro Lafaiete); “Barbacena” (Barbacena); “Campanha” (Campanha); “Jacuhy” (Jacuí); “Baenpendy” (Baependi); “Sabará”; “Vila nova da Rainha” (Caeté); “Pitangui”; “Paracatú du Princípe” (Paracatu); “Villa do príncipe” (Serro); “Bom Sucesso das Minas Novas”  (Minas Novas), vilas instituídas do Setecentos ao Oitocentos Joanino.  “Curral d´ElRey” (Belo Horizonte); “Tejuco” (Diamantina), importantes arraiais, o primeiro escolhido como a capital do Estado de Minas Gerais, no final do século XIX, e o segundo, como sede do Distrito Diamantino, circunscrição criada na Capitania, em 1734, que vigorou até 1831, com vistas à administração de negócios minerários, relacionados à exploração de diamantes[xi].

O folheto, cujo título é o topônimo “Minas Gerais”, contém informações da mesma natureza das que se encontram nos marcadores de folhas, além de mapas e figuras do território da Capitania. Além disso, nesse material, são apresentadas informações sobre as comarcas que compunham o território mineiro, criadas no Setecentos (Vila Rica, Rio das Mortes, Sabará e Serro), e no Oitocentos Joanino (Paracatu).

O desenvolvimento da pesquisa ensejou, além dos produtos bibliográficos apresentados, a realização de duas exposições, na sede do Centro de Referência em Cartografia Histórica (CRCH/UFMG). A primeira, denominada Exposição Cartografia Histórica e Toponímia: Conexões Possíveis[xii], foi aberta na 12ª Semana de Museus, em maio de 2014, e explorou o tema proposto pelo Instituto Nacional de Museus (IBRAM)[xiii]. Essa mostra explorou resultados parciais, sobretudo, qualitativos dos estudos que se faziam, na época, a propósito do léxico mineiro. Foi grande o interesse dos professores do Ensino Fundamental, Médio e Universitário ligados às áreas de Português, História e Geografia, pelo tema. Por essa razão, a mostra foi também contemplada na atividade de extensão, que faz parte do portfólio de ações educativas do Centro, realizadas em setembro de 2014 e 2015, na Semana da Primavera de Museus, outro evento promovido nacionalmente pelo IBRAM.  A atividade, denominada Conhecendo a Exposição Cartografia Histórica e Toponímia + Conversando sobre Mapas Históricos de Minas Gerais”, foi ofertada, então, a professores e a estudantes de Licenciatura das áreas de conhecimento citadas anteriormente, e a outros segmentos de público interessados em ações educativas e culturais em espaços museais.

A segunda exposição foi aberta, em maio de 2016, na 14a Semana de Museus, e irá permanecer até 2017, nas instalações do CRCH.  Na mostra, denominada Paisagens Culturais – Expressões da Toponímia e Cartografia Histórica, já foram expostos resultados finais do Projeto: comunicados, sobretudo, por meio de mapas temáticos e de diagramas, além de ilustrações destacadas dos mapas históricos estudados. Nessa exposição, foram abordados os seguintes tópicos: formação do território e do léxico toponímico, motivação e origem dos topônimos e patrimônio linguístico.


Considerando o estado da arte da toponímia mineira, acredita-se que o desenvolvimento da pesquisa o ampliou. Essa avaliação positiva pode ser descrita sob três aspectos: o primeiro refere-se às informações de síntese, apresentadas no Atlas - Patrimônio Toponímico na Cartografia Histórica de Minas Gerais. Para os estudiosos da toponímia do Estado e outros interessados, as sínteses que tratam das tendências gerais do ato de denominação, no território mineiro, durante o Setecentos e o Oitocentos Joanino, podem constituir referenciais cognitivos que possibilitem dimensionar e definir o valor e o significado de dados conhecidos a partir de outras fontes, ou de fontes de mesma natureza, como mapas, mas de outras escalas de menor nível de generalização. Ainda que peculiares, ou singulares, esses dados podem ser avaliados e adquirir mais significado e valor linguístico, geográfico, e histórico (SANTOS e SEABRA, 2016)[xiv]

O segundo aspecto trata da ampliação do conhecimento expresso, tanto no atlas, como em outros produtos do projeto, e está relacionado ao uso de documentação cartográfica como fontes de informação primária. A incorporação dessas fontes, no projeto, de modo mais sistemático que, em outras iniciativas de estudos da área, representou, de fato, ganhos de informação sobre a toponímia mineira, tendo em vista os registros fonéticos e, ou ortográficos dos topônimos, e de topônimos que não se encontram presentes em outras fontes de dados.  Por fim, o terceiro aspecto de impacto do projeto corresponde aos resultados referentes à adoção do enfoque diatópico, o qual marcou muito os resultados da pesquisa, principalmente, no que se refere à caracterização das contribuições das línguas portuguesa e indígenas, e as motivações do ato da nomeação, em diferentes regiões do território mineiro. 

 

[i] Pesquisa financiada pelo CNPq -  Processo nº 408869/2013-5.

[ii] DAUZAT, A. Les Noms de Lieux. Paris: Delagrave, 1926.

[iii]  DICK, M. V. P. A. A Motivação Toponímica: Princípios Teóricos e Modelos Taxionômicos. São Paulo: FFLCH/USP, 1990a.  In: DICK, M. V. P. A. A Motivação Toponímica e a Realidade Brasileira. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo. Edições Arquivo do Estado, 1990b.

[iv] SEABRA, M. C. T. C. A formação e a fixação da Língua Portuguesa em Minas Gerais: a Toponímia da Região do Carmo. 2004. 368 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2v, 2004.

SEABRA, M. C. T. C. A formação e a fixação da língua portuguesa em Minas Gerais: a toponímia da região do Carmo. In: ISQUERDO, A. In: ALVES, I. M. As Ciências do Léxico: Lexicologia, Lexicografia, Terminologia, volume III. Campo Grande: Editora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2006. p. 93-104. ____ Toponímia ou Nomes de Lugares. In: ALBUM CHOROGRAPHICO MUNICIPAL DO ESTADO DE MINAS GERAES, 1927: ESTUDOS CRÍTICOS. Disponível em: <http://www.albumchorographico1927.com.br/texto/estudo-critico-toponimia>. Acesso em: 30 ago. 2016.

[v] SEABRA, M.C.T.C, SANTOS, M.M.D. Toponímia de Minas Gerais em Registros Cartográficos Históricos. In: ISQUERDO, A.N.; SEABRA, M.C.T. C. As Ciências do Léxico: Lexicologia, Lexicografia, Terminologia, volume VI. Campo Grande: Editora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2012. (Ciências do Léxico, v. 3) p. 245-258.

[vi] SANTOS, M. M. D.; SEABRA, M. C. T. C. Registros onomásticos da Comarca de Vila Rica, na Capitania de Minas Gerais: a toponímia de origem portuguesa em mapas dos Setecentos e Oitocentos. Anais do IV Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica. Porto: Universidade do Porto, 2011; SANTOS, M. M. D.; SEABRA, M. C. T. C.  Motivação toponímica da Comarca do Serro Frio: estudo dos registros setecentistas e oitocentistas em mapas da Capitania de Minas Gerais. Arq. Mus. Hist. Nat. Jard. Bot., v. 20, t. 2, p. 237-265, 2011; SANTOS, M. M. D.; SEABRA, M. C. T. C. Memória do patrimônio linguístico de Minas Gerais: Análise da motivação toponímica de natureza física da Comarca de Vila Rica em registros cartográficos históricos. Revista Brasileira de Cartografia, Rio de Janeiro, N0 67/4 p. 787-803, Jul/Ago/2015.

[vii] SANTOS, M. M. D.; SEABRA, M.C.T.C; COSTA, A. G. (Orgs.). AtlasPatrimônio Toponímico na Cartografia Histórica de Minas Gerais. Belo Horizonte: Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, 2016. 1 CD. Acompanha material complementar (1 folheto e 10 marcadores de páginas). Disponível em: <https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/toponimia/index.html>. Acesso em: 28 abr. 2017

[viii] O produto foi gravado em diferentes versões, disponíveis, inclusive, em CD Rom, com vistas ao atendimento de usuários com equipamentos de formatos e resoluções diferentes.

[ix] SANTOS, M. M. D.; SEABRA, M. C. C.  Revelando o Patrimônio Toponímico de Minas Gerais do Período Colonial e do Joanino: Dos Registros Cartográficos Históricos a um Atlas Digital. Revista Caletroscópio, v. 4, n. especial, p. 547-557, 2016. Disponível em: <www.ichs2ufop.br/caletroscopio/revista/index.php/caletroscopio/issue/courrent.>. Acesso em: 04 out. 2016.

[x] Os topônimos apresentados foram registrados de acordo com os registros ortográficos e, ou fonéticos encontrados no mapa de Eschwege (1821), escolhido para a entrada lexical dos verbetes, em razão de sua posição na amostra cartográfica estudada - o mais recente de todas as representações do período Joanino.

[xi] Sobre a Demarcação ou Distrito Diamantino, remete-se aos seguintes trabalhos, entre outros: COSTA, A. G. et al. Cartografia das Minas Gerais: da Capitania à Província. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002; SANTOS, J. F. Memórias do Distrito Diamantino. 4. ed. São Paulo: Editora Itatiaia, 1976.

[xii] A exposição pode ser conhecida no repositório digital de estudos do Centro de Referência em Cartografia Histórica – CRCH/UFMG, no seguinte endereço: <https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/semana2015/index.html>. Acesso em: 28 abr. 2017.

[xiii] A exposição pode ser conhecida no repositório digital de estudos do Centro de Referência em Cartografia Histórica – CRCH/UFMG, no seguinte endereço: <https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/toponimia/index.html>. Acesso em: 28 abr. 2017.

[xiv] SANTOS, M. M. D.; SEABRA, M. C. C. . Revelando o Patrimônio Toponímico de Minas Gerais do Período Colonial e do Joanino: Dos Registros Cartográficos Históricos a um Atlas Digital. Revista Caletroscópio, v. 4, n. Especial, p. 547-557, 2016. Disponível em: <http://www.ichs2.ufop.br/caletroscopio/revista/index.php/caletroscopio/issue/current>. Acesso em: 12 out. 2016.